Com confiança em alta e inflação em queda, o Banco Central sinaliza que os juros cairão — era a notícia que faltava para reaquecer de vez a economia
Os números podem parecer insignificantes. Zero vírgula três pontos para lá, ajuste para cá. Fato é que a economia brasileira, enfim, está se recuperando. Os preços dos alimentos estão caindo no atacado e, em breve, devem fazer o mesmo no varejo. Os empresários estão mais confiantes e, menos endividados, os consumidores se preparam para novas compras. O Brasil foi até citado pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, como exemplo de país que tem mostrado “sinais de melhoria após um período de severa contração.” Num contexto positivo, mas ainda permeado por dúvidas e incertezas, a política monetária coordenada por Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central (BC), é fonte de grande expectativa. Divulgado na semana passada, o Relatório Trimestral de Inflação do BC sinalizou que pode iniciar um ciclo de corte de juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária, em outubro. No documento, a instituição projeta a inflação abaixo da meta de 4,5% no ano que vem e em 2018.
Em alta
Os indicadores mostram que o pior ficou para trás
A confiança aumentou
Em setembro, o Índice de Confiança da Construção atingiu 74,6 pontos, o maior nível desde junho de 2015
O consumo voltou
As vendas no varejo subiram 1,1% em agosto, primeira alta desde abril de 2015
O desemprego começou a cair
Em agosto, a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo recuou de 17,4% para 17,2%
A dívida também
O endividamento das famílias caiu 2,2 pontos em junho e chegou a 43,7% em relação à renda, o menor nível desde dezembro de 2012
A inflação desacelerou
Nos oito meses até agosto, o IPCA avançou 5,42% e ficou abaixo dos 7,06% registrados no mesmo período de 2015
Os juros podem cair
No Relatório Trimestral de Inflação, a autoridade monetária sinalizou que há espaço para corte de juros ainda em 2016
Fonte: FGV, Boa Vista SCPC, Dieese, Banco Central, IBGE
“O processo de retomada já começou”, afirma Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Mas é possível que ela seja mais branda do que as anteriores, principalmente porque o desequilíbrio fiscal ainda não foi sanado.” Embora o governo já tenha apresentado medidas para desatar esse nó, a PEC que limita o crescimento das despesas públicas ao definir um teto e a reforma da Previdência, que representa atualmente o maior gargalo das contas públicas, dependem do Congresso Nacional. “O estado de destruição que foi deixado pelo governo anterior é muito dramático para que tenhamos qualquer ilusão de que a retomada vai ser rápida e forte”, diz Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional. “De todo modo, é possível dizer que existe uma perspectiva de melhora onde antes não havia perspectiva nenhuma. O País deixou de ficar à deriva e passou a ter um rumo.” Economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif enxerga os recentes números positivos como “sinais de estabilização”. “Depois de quedas tão expressivas, isso por si só já uma boa notícia”, diz.
Um dos setores que mais se destacam nesse movimento é a indústria. Após cinco trimestres em baixa, ela voltou a crescer no segundo trimestre e, no caso da indústria de transformação, voltou até a contratar. “Esse é o dado mais palpável”, diz o economista Vitor Wilher. Em agosto, a produção subiu e impulsionou a perspectiva de que o terceiro trimestre será melhor, influenciado por um câmbio favorável para as exportações, apesar de um mercado doméstico ainda enfraquecido. Na construção, o índice de confiança medido pela FGV alcançou 74,6 pontos em setembro, chegando ao maior nível desde junho do ano passado.
Na prática, os cidadãos comuns já têm o que comemorar. Segundo o BC, a proporção do endividamento das famílias em relação à renda acumulada nos últimos 12 meses até junho recuou 2,2 pontos sobre o mesmo período do ano anterior e ficou em 43,7%, menor índice desde dezembro de 2012. O número é positivo, porque, com a trajetória de sua dívida em queda, os consumidores podem começar a pensar em voltar às compras. Ainda assim, há a possibilidade de que eles esperem mais um pouco. Wilher calcula que o patamar ideal de endividamento seria de, no máximo, um terço da renda das famílias.
“As projeções do Banco Central apontam para uma inflação
abaixo do centro da meta no ano que vem e no próximo”
Se houver uma redução significativa dos juros, acompanhada de maior confiança dos agentes econômicos, a expectativa se refletirá sobre o consumo e o investimento. Num cenário otimista, isso poderia gerar um crescimento de 2% da economia brasileira no ano que vem, com impacto positivo na queda do desemprego. Nesse ponto, contudo, os economistas aconselham cautela. A recuperação do mercado de trabalho, que inclui a taxa de desemprego e o nível de renda, deverá ser mais lenta que nos demais setores. “Os grandes números macroeconômicos, como o crescimento do PIB, dos indicadores de confiança, da produção industrial, demoram para ser sentidos no bolso do trabalhador”, diz Monica de Bolle. “Foi assim na queda e é assim na subida.”
Fotos: Volker Kreinacke; João Castellano/IstoÉ
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